“Não são precisos milhões para começar uma empresa”
Daqui a uma década, o Porto pode conseguir mudar o modelo económico do país através de empresas baseadas no conhecimento, criadas por jovens qualificados, muitas delas em ambiente universitário. A convicção é de Jorge Gonçalves, vice-reitor da Universidade do Porto (UP).
Há seis anos, a UP resolveu investir na criação de infraestruturas de apoio para empresas baseadas no conhecimento. Hoje em dia, o Parque de Ciência e Tecnologia da universidade é uma referência internacional. Que balanço faz do UPTEC?
Era difícil esperar mais. O balanço é positivo. O parque e o projeto cresceram depressa, o que nos obriga a sermos mais reativos do que aquilo que gostávamos de ser. Mas temos a esperança que com a estabilização do programa de construções e com parceiras que permitam libertar o UPTEC de questões imobiliárias, possamos nos centrar mais no apoio às empresas e ainda mais no apoio a novos projetos.
O UPTEC foi um dos primeiros projetos do género a surgir em Portugal e foi reconhecido este ano com um prémio da Comissão Europeia. Considera que o Uptec serve de exemplo a outros projetos?
Existem outros projetos, também temos de ser justos. Infelizmente não há muitos, mas há outros, refiro-me ao caso do Biocant, por exemplo. O país precisa que estes projetos se multipliquem. Nós não queremos que o UPTEC seja um oásis. Queremos que o projeto possa servir para outros se inspirarem e usarem a nossa experiência.
O UPTEC e as empresas que estão aqui servem para mostrar que é possível fazer coisas em Portugal. Que não são precisos milhões para criar empresas. É possível começar empresas baseadas no conhecimento com orçamentos pequenos, dando passos pequenos mas seguros. Aproveitando da forma mais inteligente possível as facilidades que a universidade e a sociedade podem oferecer para crescerem e conquistarem o mercado.
Quais são as principais dificuldades sentidas na execução deste projeto?
Isto tem sido muito fácil. A parte mais delicada é a parte imobiliária, da construção dos edifícios. A maior dificuldade é a obtenção da componente que não é financiada pelo QREN.
Tem sido fácil porque a Universidade oferece as condições adequadas pela proximidade com os grupos de investigação. Este projeto foi apropriado pelas faculdades e pelos grupos de investigação, que vêm nisto um instrumento complementar da sua atividade. E também tem sido fácil pela postura dos empreendedores. Bastou começar a surgir alguns exemplos de sucesso, para surgirem mais e, portanto, acho que estamos quase a sofrer um efeito bola de neve, o que é ótimo.
Os estudantes têm hoje outra visão do mercado de trabalho e são mais empreendedores?
Biologicamente nós temos uma tendência enorme para assumirmos comportamentos mais cómodos e, portanto, ninguém arrisca se não tiver necessidade. Até o fim dos anos 90, grande parte da mão de obra qualificada que a universidade formava tinha emprego no ensino e nas empresas. Foi fácil a sociedade incorporar esta mão de obra qualificada. Mas, o mercado ficou saturado no início deste século e as pessoas tiveram que procurar oportunidades.
Antes do UPTEC faltavam exemplos. Havia a sensação de que nada existia cá e se queríamos encontrar alguma oportunidade tínhamos que ir para Lisboa e depois para fora. Com o UPTEC as pessoas começaram a perceber que existia aqui alguma oportunidade, não só pelos empregos que estas empresas têm gerado, mas pelo facto de perceberem que aqui também era possível criar empresas baseadas no conhecimento.
Por outro lado, nós aqui na universidade começamos a promover iniciativas para dessacralizar o negócio e atividade empresarial. Havia uma cultura de desprezar as atitudes mais empreendedoras. Aquilo que fizemos foi desmontar esta lógica e dizer que os universitários têm a obrigação de assumir a responsabilidade de serem agentes da mudança na sociedade, quer seja a trabalhar por conta de outrem, quer seja no seu próprio negócio.
Criou-se a ideia de que qualquer um pode ser empreendedor. Considera que a palavra empreendedorismo está gasta, por ser usada em demasia?
A palavra empreendedorismo está gasta. Começou a ser tão usada que hoje quase cria um efeito oposto, de alguma aversão. O mais importante é explicar o que isso significa: é não nos conformamos, é sermos pró-ativos. Olharmos a nossa volta e vermos em cada problema uma oportunidade e um desafio para a mudança. Esta atitude empreendedora é de anti-resignação, não se trata apenas de uma questão de criar empresas.
Considera que o Porto é uma cidade com esta mentalidade?
Não estou a ver outra área do país com melhores condições para que isto aconteça. Se continuarmos fiéis a este nosso trabalho, não só apenas na Universidade do Porto, mas nesta colaboração que se vai começando a cimentar entre universidades e empresas, acho que dentro de dez anos vamos conseguir mudar o modelo económico do país. Eu vou gostar de ver muitos dos empresários que se lançaram nesta atividade a serem dentro de alguns anos as figuras de proa de grandes empresas nacionais e internacionais. Esta região é uma região empreendedora por excelência.
Alice Barcellos