Estes arquitetos querem provocar e surpreender através da criatividade
Quem passar pela área envolvente da Estação de São Bento vai deparar-se com uma malha metálica que envolve uma ruína esquecida. A Metamorfose é obra de um projeto de dois arquitetos “artistas” que têm ajudado o Porto a ser uma cidade mais provocadora e colorida.
Filipa Almeida e Hugo Reis dão corpo (e alma) à FAHR. A ideia surgiu quando os dois arquitetos regressaram da Alemanha com o desejo de investirem num projeto próprio que fosse o somatório de várias experiências e formações profissionais.
Hugo e Filipa no atelier da FAHR.
Começaram por criar esculturas em cabelos, construíram um pórtico com 50 mil garrafas, transformaram o São João numa festa de espelhos e numa estante de manjericos. São provocadores por excelência e querem continuar a surpreender, em Portugal mas também lá fora. Sempre a “estimular ambientes e a construir emoções” – a frase que usam para caracterizar a essência do projeto.
Como tem sido o vosso percurso, desde que tiveram a ideia para o projeto até à criação de uma start-up?
Hugo Reis: Temos tido um crescimento inesperado, mas no sentido positivo. Nós vínhamos com uma visão de trabalho de Berlim que depois não funcionou e tivemos que readaptar à realidade portuguesa. Mas, a partir do momento que percebemos qual era o nosso mercado e o campo onde queríamos trabalhar criativamente, as coisas começaram a fazer sentido. Foi nessa altura, início de 2014, que fizemos o programa de aceleração do UPTEC e candidatamo-nos a uma incubação dentro do Polo das Indústrias Criativas. Neste período, recebemos uma visão de negócio, de gestão e de empreendedorismo que nos ajudou a apontar a melhor as nossas baterias. Desde então, as coisas têm vindo a correr cada vez melhor. Temos já uma pessoa a trabalhar na parte de gestão da empresa, enquanto nós trabalhamos mais a parte criativa.
O vosso trabalho ganhou no início do ano muita visibilidade com a instalação Metamorfose, parte do projeto cultural Locomotiva. Como surgiu esta colaboração?
HR: Neste percurso de pró-atividade, a Porto Lazer foi um dos contactos que decidimos estabelecer e surgiu uma primeira oportunidade de trabalho, com as Flores de Manjerico, na Rua das Flores. As coisas correram muito bem e o trabalho teve um impacto muito interessante. Entretanto, surgiu o convite para este projeto, que hoje se chama Locomotiva, onde nos foi pedida uma proposta.
Filipa Almeida: Decidimos pegar no tema dos espaços em ruína, já que existem vários no Porto e que achamos que não devem ser só espaços esquecidos e decadentes. Fomos então desafiados a fazer uma primeira proposta para a ruína Oliva, ali na Estação de São Bento. É uma ruína com bastante história, porque é consequência de um rasgo no quarteirão, nos meados do século passado, para se fazer um acesso mais direto à Ponte D. Luís. Dali surgiu aquele vazio, quase como um corpo esventrado, acabando por ficar um espaço descaracterizado, mas que já faz parte do Porto. Daí surge a Metamorfose que é a combinação da ruína com a escarpa de granito que está ao lado. A ideia foi coser as duas coisas com uma malha digital, sem esconder o que está por trás.
Vista geral da Metamorfose. Foto: FAHR
Qual tem sido o feedback das pessoas ao trabalho?
FA: O trabalho tem tido um resultado impressionante. Desde as pessoas que trabalharam connosco, que estão contentes e surpreendidas com o resultado, até mensagens privadas que temos recebido de pessoas a dar-nos um enorme obrigado porque estamos a dar dignidade aquele espaço.
HR: Acho que as pessoas ficam surpreendidas. Primeiro, por se intervir naquele espaço que já não era intervencionado há imenso tempo e depois por fazermos uma coisa tão estranha e tão pouco vista na nossa cidade, que é a trabalhar a irregularidade, explorar a forma e fazer ali uma rutura.
A parte de engenheria foi feita pela NCREP e a iluminação por Zé Nuno Sampaio.
Fotos: FAHR
O facto de esta ser uma estrutura temporária, fica em exposição até junho, vai de encontro com o vosso trabalho criativo?
HR: A temporalidade permite-nos a disrupção. Permite-nos ir mais longe na experiência e na forma como encaramos um projeto. Se é temporário, podemos realmente fazer algo que provoque ou choque. Já que vai durar um período curto de tempo, tem que ser muito atrativo. O lado efémero e temporário permite correr mais riscos. A permanência exige outros cuidados para os quais também estamos preparados.
Quais têm sido os pontos altos do vosso percurso?
HR: O nosso primeiro projeto o Hairchitecture, um misto de brincadeira e loucura, com muito profissionalismo à mistura. Depois, a Estrutura de São João, em Guimarães, com balões espelhados em que retratamos a festa de uma forma diferente. O Glassberg, na Figueira da Foz, onde construímos duas grandes paredes com o recurso a 50 mil garrafas. A seguir, as Flores de Manjerico, no Porto, que teve um impacto urbano muito forte. Entretanto, surge a Metamorfose que é o projeto do momento. Nos próximos tempos, esperam-se mais intervenções da FAHR, mas nós não pretendemos a grandiosidade, pretendemos a qualidade e a surpresa. Acho que é isso que as pessoas precisam neste momento, serem surpreendidas e provocadas de alguma maneira.
O vosso trabalho tem dado frutos, até por existirem em Portugal poucos projetos deste género. Ainda há espaço no mercado para mais projetos como o vosso?
HR: Há espaço para toda a gente, até porque uma empresa não se pode concentrar só no Porto ou só em Portugal. A nossa ideia é começar a expandir e a internacionalizar. Venham mais projetos que ajudem a valorizar a nossa atividade e o nosso tipo de intervenção. Faz todo o sentido, desde que não se estrague o mercado ou não comecem a surgir banalizações e repetições.
Fonte: Alice Barcellos/SAPO